Quando o tratamento a longo prazo de depressão e ansiedade pode ser uma escolha racional?
É indubitável que o preconceito psiquiátrico ainda se afirma em nossa sociedade de forma incisiva e pungente. Não há glamour em padecer de qualquer patologia, seja ela psiquiátrica ou não, apesar dos modismos e alardeios da mídia e da sociedade como um todo em torno da saúde mental.
Nesse contexto midiático há toda uma polêmica e, muitas vezes, polarização do discurso, seja no sentido de demonizar a psiquiatria, seja no afã de hipervalorizar sentimentos normais como “fora do lugar”. Entre a medicalização da dor humana genuína e fisiológica e a normalização do patológico como uma forma diferente de viver; do exagero na prescrição medicamentosa à omissão no negligenciar o sofrimento: em algum lugar entre os extremos do otimismo e pessimismo terapêutico deve repousar o bom senso.
O problema é que atingir o tal bom senso nem sempre é uma questão automática e intuitiva, ou seja, tentar atingir o equilíbrio de uma decisão racional é fruto do exercício de detida reflexão e não algo espontâneo. E como toda boa reflexão requer um debruçar sobre informações. Informações estas que ausentes podem criar ou perpetuar preconceitos ou polêmicas, conforme já discutido no texto anteriormente reproduzido, de autoria do Dr. Daniel Martins de Barros.
No escopo do que foi trazido, fica a questão: com a enxurrada de informações proveniente da mídia, quase sempre repousando na parcialidade de suas ideologias editoriais, como é possível ao paciente decidir sobre o melhor caminho a percorrer? Seguirá ele o bom senso leigo, propalado não só pela mídia, mas também nos “comadrismos” e albergado pelo insuperável jeitinho brasileiro de resolver tudo da forma mais fácil, ou conselhos de um profissional que, de tão envolto em preconceitos, apenas com muito custo será ouvido?
Dessa forma, debruça-se aqui para discutir mais uma vez sobre a resistência dos pacientes às terapêuticas instituídas, para tentar desmistificar os medos provenientes da desinformação, invariavelmente preconceituosos e polêmicos. Dessa vez o que se traz à guisa de reflexão é notadamente a dificuldade de tomar medicamentos a longo prazo ou de seguir um tratamento psicossocial de forma prolongada, com fins de evitar danos futuros.
É comum entre os pacientes a desistência em poucas consultas, um abandono abrupto do tratamento ao achar que se encontra na sua condição de funcionalidade habitual, longe de suas mazelas psicopatológicas. Claro que seria uma simplificação absurda acreditar ser esta a única motivação para o abandono: as pessoas deixam de ir aos seus médicos também porque não melhoram, porque não gostaram do modelo de atendimento médico, por questões financeiras, por puro e simples desinteresse, entre outras centenas de causas possíveis.
O que se quer aqui combater é o abandono-preconceito por desconhecimento dos fatos, desinformação. Que abandonem o tratamento psiquiátrico, que suspendam sua psicoterapia, mas que tal decisão seja pautada em uma escolha mais ou menos racional.
No rol de doenças conhecidas e mais estudadas no que tange ao tratamento de longo prazo tem-se a esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar e depressão maior. Sobre esta última doença apresentar-se-á inicialmente alguns dados, justamente pela prevalência do transtorno na população geral. Em estudo de revisão de Geddes et al, em 2003, mostrou-se que o tratamento de continuação com os antidepressivos diminuíram o risco de recaída em 70% quando comparados com a descontinuação do tratamento em indivíduos com depressão prévia.
O efeito do tratamento persistiu em média por até três anos, apesar de a maioria dos estudos acompanhar os pacientes durante o período máximo de um ano. Para falar de uma medicação específica, tem-se que a fluoxetina, medicação lançada no mercado com o famigerado nome Prozac, mostrou eficácia no tratamento de longo prazo: em um estudo clássico de Montgomery et al, em 1988, foi realizado acompanhamento por seis meses e evidenciou-se que 74% dos pacientes utilizando a medicação permaneceram bem após melhora inicial, enquanto apenas 43% o fizeram ao utilizar placebo.
Não se pode furtar a comentar também alguns estudos sobre transtornos de ansiedade.
Em estudo de Sotcchi et al, em 2003, tem se, de forma resumida, que foram acompanhados quase 600 pacientes com transtorno de ansiedade generalizada, por 24 semanas, comparando dois grupos: o primeiro com 278 pacientes utilizando paroxetina, uma medicação utilizada para ansiedade, e o segundo com 288 pacientes utilizando placebo, um comparador sem efeito terapêutico. Esse estudo teve como resultado o fato de que os pacientes utilizando a medicação tiveram risco de 10,9% de recaída dos sintomas ansiosos, enquanto 39,9% dos paciente utilizando placebo recaíram no período estudado. Estatisticamente falando, há um risco cinco vezes maior de recaída quando se usa o placebo. Isso em um período de tempo relativamente curto, de seis meses.
Em outro estudo, este de 2005 e com acompanhamento de até 76 semanas, Allgulander et al demonstraram que o uso contínuo do escitalopram, outro fármaco bastante utilizado para o transtorno de ansiedade generalizada, levou a um risco quatro vezes menor de recaída quando comparado com o placebo (19%).
Seria possível estender a exposição de estudos para cada uma das doenças psiquiátricas, mas não sem se tornar enfadonho e repetitivo. O objetivo é ilustrar que a questão da escolha pelo tratamento prolongado perpassa também pela evidência científica sólida e não somente por fatores de cunho individual (preconceito, expectativas quanto ao tratamento, impossibilidade econômica, efeitos colaterais, influência da mídia e da população em geral, etc). Os aspectos pessoais também são importantes, mas não devem ser solitários nesse processo decisório.
Em suma, considerando-se a complexidade dos múltiplos fatores envolvidos na opção de tomar ou não medicações por longo prazo, pode-se afirmar que a questão passa longe do simples bom senso. Demasiada distante do “bom senso” dos informes da mídia, das influências leigas (muitas vezes providas das melhores intenções) e do preconceito, este sim sem senso. No meio do caminho pode-se afirmar que há, sim, certo consenso, embasado no que a ciência tem a propor enquanto conhecimento sedimentado em um saber razoavelmente confiável.
E entre a busca do bom senso através do consenso há um mediador: o médico psiquiatra, habilitado e disposto a discutir sobre a interface entre aquilo que é científico, numérico e geral, e entre aquilo que é a subjetividade do paciente que a ele se apresenta, com suas dores muito únicas e seus problemas individuais a serem sanados. É nessa relação que, de uma forma ou de outra, deve repousar algum bom senso terapêutico.
E a questão da psicoterapia a longo prazo? Bem, essa discussão fica para os próximos textos! Até o próximo artigo.
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